Uma viagem que se faz sozinha

Caro Estranho,

Fui casada por muito tempo. A minha vida era tranquila, mas monótona. Comecei a trabalhar e, após isso, conheci outro homem, por quem me apaixonei. Então, terminei meu casamento e larguei tudo para viver essa nova paixão.

No entanto, essa relação não deu certo. Agora, não sei o que fazer. Além desse amor, perdi o emprego e a minha antiga vida. Tenho de recomeçar, mas sinto que estou velha. Como faço para achar o meu caminho de volta?

Obrigada pela atenção,

Áurea

Cara Áurea,

Ninguém entra no mesmo rio uma segunda vez. Porque, quando isso acontece, a pessoa já não é mais a mesma, e a água também é outra. Foi com essa metáfora, atribuída ao pensador Heráclito, que optei por começar esta resposta. Tudo isso para lhe dizer que não há algo como um caminho de volta para você, minha cara. Ou seja, sinto muito por essa nova relação que não deu certo, mas a vida acontece deste momento em diante. Portanto, o melhor que você tem a fazer é pensar em quem você é após tudo isso.

Agora, é hora de você se autoconhecer. Entrar em contato consigo mesma, descobrir do que gosta, procurar uma ocupação e estar aberta e presente em cada etapa dessa árdua jornada. Há bastante trabalho pela frente, mas não tem outra forma de recomeçar, Áurea. E quer saber? Após um longo casamento e uma relação que não vingou, acho interessante o fato de você estar só. Pois isso vai ajudá-la a descobrir quem você é, inclusive, fora de um compromisso. Afinal, essa é uma viagem que se faz sozinha.

“Larguei tudo para viver essa história.” Não posso imaginar o quão custosa essa atitude deve ter sido para você. Diante disso, é até esperado que você esteja frustrada. Não é um problema você se sentir assim. Porém, sugiro que não se demore muito no passado, minha cara. É óbvio que essa experiência agora faz parte de você, mas ela acabou. O mesmo vale para aquela antiga vida, como você coloca na carta. Consegue entender o que quero dizer quando afirmo que não há um caminho de volta? Pois hoje, você é outra mulher.

Portanto, torno a dizer. Procure conhecê-la. Veja o melhor que ela pode fazer com a bagagem que acumulou até aqui. Na carta que me mandou, você não menciona a idade que tem, mas peço que, por favor, esqueça essa ideia de que está velha. Penso até que esse seja um adjetivo injusto e ruim para definir um ser humano. Não há um tempo certo para você embarcar, Áurea. Lembra do rio do Heráclito? Então, ele continua lá. Você mudou, a água não é mais a mesma, mas com certeza ainda vale a pena tentar entrar.

Um grande abraço,

Estranho