Um cão e uma grande decisão

Caro Estranho,

Estou com o meu pequeno cão muito doente e sem chance de recuperação. Sei que ele tem sofrido, mas o meu coração não me deixa eutanasiá-lo, embora o veterinário que cuida dele indique isso. Talvez, essa hesitação seja um fruto da minha religião. “Não matarás.” Enfim, não sei ao certo.

O Caramelo é um cachorro sem raça definida, que foi adotado e chegou em casa com cerca de três anos. Porém, após uma cirurgia, ele adoeceu em pouco tempo e, neste momento, não há mais o que fazer. Tenho sido egoísta por mantê-lo vivo? Ninguém entende o que se passa dentro de mim.

Obrigado,

Matheus

Caro Matheus,

Um cachorro é um ser quase humano. Pelo menos, é como vejo. Por ser tutor de um e, após fazer um esforço empático, acho que consigo entender o que se passa dentro de você. E sinto muito por isso. Como você talvez imagine, não é comum eu receber uma carta como a que você me mandou. No entanto, antes de tudo, quero dizer que o sofrimento que você vive agora é tão legítimo quanto qualquer outro. Por esse motivo, faço questão de respondê-lo. E prometo dar o melhor de mim para acolher você e o Caramelo. Enfim, me deu vontade de chorar. Então, é melhor seguir adiante.

Quando você adotou esse pequeno cão, tudo que quis foi oferecer-lhe um lar e uma família, não é verdade? E tenho certeza de que você fez isso muito bem. Com o tempo, porém, ele o conquistou, ganhou um espaço nesse coração e criou-se uma troca enorme de amor e companheirismo. Além, é claro, de uma imensa amizade e um apego, sem dúvida, recíproco. Tudo de graça, sem qualquer cobrança ou promessa, não é mesmo? Não foi assim que tudo aconteceu, Matheus? Quem possui um animal de estimação, seja ele qual for, conhece bem esse enredo. Mas cada história é única.

Só você sabe o que viveu com o Caramelo. Por isso, e também por tudo que escrevi acima, é natural que você resista ao momento de se despedir dele. Em resposta à pergunta que me fez, não acho que você tem sido egoísta. Acredito que se trata mais de um medo ou mesmo um bloqueio religioso. Entretanto, na minha opinião, há um problema maior. Ele se encontra em um estado de sofrimento físico, meu caro. Na carta, você cita uma passagem do Velho Testamento, certo? Entendo você, mas que tal pensar em misericórdia? A eutanásia não seria uma maneira de libertá-lo da dor?

Como sempre costumo dizer neste espaço, independente do que penso ou sugiro, a escolha só cabe a você, Matheus. Manter esse pequeno cão vivo é uma opção. Aceitar a indicação do veterinário e fazer essa eutanásia também. Entendo a dor que essa complexa decisão deve lhe causar agora. Do fundo do meu coração. De qualquer forma, dar-lhe adeus é só uma questão de tempo. E aqui, mais uma vez, sinto muito. A história dele está perto do fim e você pode adiar isso ou não. Portanto, pense com carinho e, aí então, decida. Afinal, você é o responsável pela vida dele, mesmo na hora da morte.

Um grande abraço,

Estranho