Caro Estranho,
Acompanho você sempre por aqui e hoje resolvi pedir ajuda. Fui traída, após mais de duas décadas de um relacionamento ótimo, com uma pessoa excelente. No entanto, aconteceu isso. Ele mesmo me confessou tudo e se disse bastante arrependido. Ou seja, não descobri por alguém de fora.
Desde então, ele se tornou melhor do que antes. Jura que me ama e tenta provar isso o tempo todo. Porém, a questão é que me sinto mal como mulher e não consigo me recuperar. Também o amo, mas quando lembro, sinto nojo. Você acredita que alguém possa amar e, mesmo assim, trair?
Obrigada por me escutar,
Márcia
Cara Márcia,
Antes de começar, peço a você que tente esquecer tudo que aprendeu até hoje sobre a relação entre amor e traição. Sei que é pedir muito, mas nenhuma ideia preconcebida a respeito desse tema vai ajudá-la neste momento. Entendo que você tenha sido traída e, com razão, esteja machucada. Sinto muito por isso, inclusive, mas cada situação é única e assim deve ser pensada, concorda comigo? Quanto à pergunta que você me fez, gostaria que você chegasse a uma conclusão sozinha, após esta nossa conversa. Portanto, vamos pensar juntos e tentar chegar a algum lugar mais acolhedor.
Devo dizer ainda que essa carta que você me escreveu não é nem um pouco simples de responder, pois mexe um pouco com todo mundo e, sem dúvida, gera certa polêmica. Dito isso, como sempre, vou tentar fazer o melhor que puder para confortá-la. Então, vamos lá. Da forma que me contou, a traição que você sofreu parece ter sido um erro de percurso. Porém, mais do que isso, foi também uma quebra de um acordo que você e esse homem fizeram há mais de 20 anos. O fato de ele ter se confessado arrependido pode ser um atenuante, mas não diminui a dor que você sente.
A questão aqui é que ele jura que a ama. E, enquanto tenta provar isso, você não consegue superar o ocorrido. Entretanto, “também o amo”. É o que você diz logo em seguida. Então, eu lhe pergunto. Você se sente amada, mesmo após o que aconteceu? Se a resposta for positiva, você não acha que, em nome de todo esse amor, vocês precisam sentar e conversar sobre essa traição? Ele sabe como você se sente? O quanto está magoada? E o que ele tem a dizer? Enfim, para mim, a base de todo relacionamento é o diálogo aberto e honesto. Por isso, é preciso que vocês conversem.
Agora, mais importante do que perdoá-lo ou não, é você não ter medo de mergulhar no assunto e tentar entender o porquê da traição. Compreender por que ele desviou do caminho que vocês têm percorrido juntos há mais de duas décadas, consegue entender? O que pode ter dado errado? Não ignorem o elefante na sala, como se diz por aí. Na minha opinião, somente assim você será capaz de superar qualquer nojo e, se for necessário, tomar alguma atitude em relação ao que ocorreu. Aí, então, você poderá responder, por conta própria, a pergunta que me fez no fim da carta.
Por fim, quero deixar mais uma mensagem, Márcia. Você me fez lembrar que, no Japão, quando um objeto se quebra, há uma técnica que consiste em consertar a rachadura com ouro em pó. Assim, a peça não perde o valor. Pelo contrário, ela passa a valer mais do que antes, e a história daquele item se torna única. É também uma maneira de manter em mente a ideia de que nada é perfeito. Nem qualquer relacionamento. Portanto, de novo, sentem e conversem, ouçam um ao outro e vejam se esse vaso quebrado ainda tem conserto ou não. Acho interessante essa metáfora. Pense nisso.
Um grande abraço,
Estranho