Caro Estranho,
Há cerca de quatro anos, descobri que tenho uma doença genética rara, sem cura e que se encontra em estágio avançado. Ou seja, uma condição que pode me levar à morte em pouco tempo. Portanto, neste momento, aos 31 anos, vivo em função de adiar a minha partida até onde for possível. Deixei de viver para apenas sobreviver, se é que você me entende. E então? O que você pensa sobre isso? Ajude-me.
Obrigada,
Cris
Cara Cris,
Quem me acompanha com atenção talvez perceba que esta é a segunda vez que ensaio responder a carta que você me mandou. O motivo é que não fiquei satisfeito com o acolhimento que lhe prestei na primeira tentativa. O fato de ser um relato forte me encheu de medo e, por isso, quero tentar de novo. Espero também poder contar com quem me segue neste esforço. Antes de tudo, porém, devo dizer que sinto muito pelo diagnóstico que você recebeu. Não tenho como me colocar no lugar em que você se encontra agora, mas posso lhe escrever com todo o meu coração. E é o que vou fazer.
Desde que recebi essa carta, tenho sempre pensado em você. De alguma forma, você me chamou a atenção não apenas pela força que apresenta em cada palavra, mas pela honestidade que deixa transparecer em um relato tão curto. Então, após me contar o que se passa, de supetão, você me pergunta. “O que você pensa sobre isso?” E eu respondo. Penso que a vida é um mistério insondável. Não há um sentido único ou qualquer garantia, senão a da morte, quando ela acabar, concorda comigo? E isso ainda não aconteceu com você, Cris. Portanto, ainda há um trabalho a ser feito dentro de você.
“Deixei de viver para apenas sobreviver.” Confesso que essa frase da carta que você me escreveu me preocupou um pouco. Sei que há uma doença sem cura e em estágio avançado, mas você está viva, minha cara. É isso que importa. Aqui e agora. Por algum motivo, a jornada ainda não acabou para você. Não deixe de viver o presente. Se não for muito, é só isso que lhe peço. Cerque-se de quem você ama, converse com quem você gosta, enfim, inspire o próximo, assim como você fez comigo. E faça tudo isso o quanto antes. Escolha a vida que quer levar daqui em diante e corra atrás dela agora mesmo.
Estou certo de que a luta que você tem travado, desde que recebeu o diagnóstico, não deve ser nem um pouco simples, não é mesmo? Mas ela é muito digna e também inspiradora. Por isso, não jogue a toalha agora, Cris. Ainda é cedo. Peço perdão pela obviedade, mas até para morrer, você precisa estar viva. E a verdade é que ninguém sabe quando isso vai acontecer. Aproveite o tempo que lhe resta, que pode ser muito ou pouco, para viver com atenção, presença e até mesmo intensidade. Por que não? Vou fazer o mesmo. Enquanto isso, desejo que você tenha a melhor vida que puder ter.
Um grande abraço,
Estranho
