Abandone o peso da vergonha

Caro Estranho,

A minha filha foi morar com o pai dela. Tenho vergonha das pessoas saberem que ela não mora comigo. Pensei até mesmo em ir para outro país, para recomeçar minha vida em um lugar onde ninguém me conheça. Sigo aqui em um processo doloroso de luto que não acaba nunca. Não vou nem falar da minha vida profissional, que está um desastre. Não acredito mais em mim.

Obrigada pelo espaço,

Dora

Cara Dora,

Antes de qualquer palavra ou sugestão, quero lhe fazer uma pergunta. Você percebe quanto peso tem carregado? Foi o que me chamou a atenção ao ler a carta. Há um sentimento de rejeição por parte dessa filha amada, um luto “doloroso” pela ausência dela, uma enorme e pesada vergonha dos outros, uma vontade de fugir e, para concluir, uma descrença em si. É uma carga e tanto, não acha? É esperado que você se sinta exausta, esgotada, enfim. Então, você precisa começar a se libertar de todo esse peso. Até para poder seguir em frente.

Tudo isso está conectado, claro. E, a meu ver, você pode começar a se livrar dessa carga toda pela grande pedra da vergonha, digamos. Veja bem, a decisão dessa filha que você tanto ama não diz respeito a mim, aos amigos ou a quem quer que seja. Na verdade, ela não interessa a mais ninguém, a não ser a vocês duas e ao pai dela. Por isso, minha cara, não há por que ter vergonha. Entendo que para você, como mãe, seja muito duro passar por isso, mas a escolha dela tem de ser acatada e respeitada. Também compreendo que esse não seja o arranjo mais comum na nossa sociedade. Agora, ter medo desse julgamento alheio não adianta.

Todos nós somos falhos, Dora. Sobretudo, os que vão julgá-la. Esteja certa. Com a remoção dessa pedra, o resto do peso vai se tornar mais leve, acredite. Em vez de ter receio do que vão pensar, use tudo que lhe resta de energia para elaborar esse luto que você vive agora e tentar melhorar a relação com essa filha. Será muito mais proveitoso. Julgar alguém sem saber de nada é cruel. Tenho certeza de que você fez o melhor que pôde. Esqueça a vergonha.

Um grande abraço,

Estranho